Neste domingo (24), a Justiça do Trabalho da 6ª Região de Recife (PE), proferiu uma nova decisão liminar que garante à cantora Joelma a posse do seu passaporte. A sentença, assinada pelo desembargador Ruy Salathiel de Albuquerque e Mello Ventura, impede novos pedidos de bloqueio ao documento.
A decisão do Tribunal do Trabalho reconheceu que a proibição de saída do país, o bloqueio do passaporte e a vedação à emissão de novo documento não traria resultado efetivo à execução trabalhista, sendo mera medida punitiva, o que é vedado pela Constituição Federal, pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos e pelo Pacto de São José da Costa Rica, que consagram como direitos fundamentais a liberdade de locomoção e o direito de ingressar e sair do país. No caso, foi reconhecido que não se trata de viagem para ostentar riqueza, pois a Joelma estava trabalhando no exterior, inexistindo a adequação, razoabilidade e proporcionalidade na decisão proferida anteriormente e que foi corretamente afastada, explica Luiz Felicio Jorge, sócio do Urbano Vitalino Advogados, escritório que representa a cantora.
Leia na íntegra a decisão do desembargador:
O art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal estabelece que será concedido o habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Assim, o habeas corpus é o remédio constitucional que alberga o direito de ir, vir e permanecer do indivíduo. No mesmo sentido, dispõe o art. Art. 189. do Regimento Interno desta Corte Regional, que “O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, independentemente de mandato, ou pelo Ministério Público do Trabalho, em favor de quem sofrer coação ilegal ou ameaça à sua liberdade de locomoção, por ato de autoridade judiciária do trabalho, no exercício da jurisdição trabalhista.” Na decisão impugnada por meio do presente Remédio Constitucional, a autoridade apontada como coatora determinou, como uma das medidas coercitivas à satisfação do débito exequendo, que que seja oficiada a Polícia Federal para a inclusão do impedimento de saída do país, utilizando-se de quaisquer documento hábil, do bloqueio de passaporte e proibição de emissão de novo passaporte em relação à executada JOELMA DA SILVA MENDES, CPF nº 575.977.822-68. De fato, o art. 139, inciso IV, do CPC prevê que o julgador poderá determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias a assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. Todavia, não se pode olvidar que a utilização de medidas executivas atípicas deve guardar respeito com as demais normas e princípios que regem o ordenamento jurídico pátrio, sobretudo com o fundamento da dignidade da pessoa humana e com os direitos e garantias previstos na Constituição da República Assinado eletronicamente por: RUY SALATHIEL DE ALBUQUERQUE E MELLO VENTURA – Juntado em: 24/03/2024 13:57:42 – 8f32514 (art. 5º, incisos XV e LIV), como o de ir e vir e o de não ser privado de liberdade ou bens sem o devido processo legal. A efetividade da execução não é a única finalidade a ser observada pelo magistrado. De fato, a medida em análise – apreensão do passaporte da executada – demanda inequívoca demonstração de elementos suficientes que a justifique, o que não se observa na hipótese, a exemplo de ostentação de riquezas ou ação de forma maliciosa visando frustrar a execução para se elidir do pagamento do débito trabalhista. Do contrário, aludida medida se revelaria, em verdade, como mera medida punitiva, pois não viabilizam a satisfação do crédito, não atingindo o patrimônio da parte executada. A razão da lei deve falar a favor da não arbitrariedade estatal nos moldes preconizados pelo Princípio da Proporcionalidade, sendo dever do órgão judicante aferir se os fins justificam os meios, o que não se verifica na presente demanda. O mencionado inciso IV do artigo 139 do CPC não escapa ao que diz o artigo 8º do mesmo Código, devendo com ele se harmonizar, e este diz que “ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”, não sendo demais lembrar que o direito de ir e vir, de propriedade, e do devido processo legal, gozam de proteção constitucional (artigo 5º XV, XXII, LIV e LV). Também É certo que a atribuição da Justiça do Trabalho para determinar o recolhimento do passaporte é excepcional, porque, como já dito, não viabiliza a satisfação do crédito. Desse modo, não se vislumbram fundamentos para que seja mantida a ordem de restrição de passaporte do executado. Na Justiça do Trabalho a penhora sempre deverá ser efetiva, obedecidos os critérios do artigo 835 do CPC, sendo impertinentes atos ineficazes a teor do artigo 836 do mesmo diploma legal, de aplicação analógica ao caso de retenção do passaporte, de caráter não eficaz para a execução. Nesse sentido, recente decisão proferida pela Exma. Desembargadora Maria Clara Saboya Albuquerque Bernardino, envolvendo a mesma Paciente, nos autos do Habeas Corpus 0 000634-66.2024.5.06.0000. Também, envolvendo decisão de teor semelhante à ora examinada, já decidiu o Pleno deste Tribunal Regional, in verbis HABEAS CORPUS. DETERMINAÇÃO, COMO MEDIDAS COERCITIVAS VISANDO À SATISFAÇÃO DA EXECUÇÃO Assinado eletronicamente por: RUY SALATHIEL DE ALBUQUERQUE E MELLO VENTURA – Juntado em: 24/03/2024 13:57:42 – 8f32514 QUE SE PROCESSA NOS AUTOS DE AÇÃO TRABALHISTA, DE SUSPENSÃO DAS CARTEIRAS DE HABILITAÇÃO E “RESTRIÇÃO AOS PASSAPORTES” DOS SÓCIOS/EXECUTADOS, ORA PACIENTES, ATÉ O PAGAMENTO DA DÍVIDA. I – Embora o artigo 139, IV, do CPC, possibilite a utilização, pelo Juiz, de meios atípicos de execução, o que já pressupõe o esgotamento das medidas executivas convencionais, além de indícios de ocultação de patrimônio pelo devedor, tais meios atípicos encontram limites na Constituição, cujo artigo 5º, XV, estabelece que “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens” (destacou-se); II – Por outro lado, dispõe o artigo 22 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) que “toda pessoa tem o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive do próprio” (destacou-se), esclarecendo que o exercício desse direito “não pode ser restringido senão em virtude de lei, na medida indispensável, numa sociedade democrática, para prevenir infrações penais ou para proteger a segurança nacional, a segurança ou a ordem públicas, a moral ou a saúde públicas, ou os direitos e liberdades das demais pessoas” (destacou-se), o que não é o caso; III – Não custa ressaltar que os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil gozam de status normativo supralegal, suspendendo a eficácia da legislação infraconstitucional no que com eles conflitar; IV – Doutro vértice, mesmo na hipótese de sentença condenatória transitada em julgado por crime de trânsito, a Lei 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) estabelece prazo máximo de suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor; V – Portanto, data máxima venia, entende-se não haver adequação, proporcionalidade e razoabilidade nas medidas adotadas pela autoridade apontada como coatora objeto deste habeas corpus, havendo a possibilidade de, se for o caso, serem adotados outros meios atípicos de execução que não impliquem restrições à liberdade de locomoção dos sócios/executados nos autos da ação trabalhista, ora pacientes, em consonância com o princípio segundo o qual a execução recai sobre o patrimônio, e não sobre a pessoa, do devedor; VI – Aliás, o artigo 8º do próprio CPC estabelece que “ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência” (destaquei); IX – Ressalte-se não haver menção no ato judicial Assinado eletronicamente por: RUY SALATHIEL DE ALBUQUERQUE E MELLO VENTURA – Juntado em: 24/03/2024 13:57:42 – 8f32514 inquinado a qualquer elemento concreto de convicção no sentido de que as medidas adotadas terão alguma influência sobre o agir dos executados a ponto de coagi-los a adimplir o débito (artigos 5º, LIV/LV e 93, IX, da CF); X – Precedentes; XI – Ordem que se concede. (Processo: HC – 0000292-65.2018.5.06.0000, Redator: Jose Luciano Alexo da Silva, Data de julgamento: 19/06/2018, Tribunal Pleno, Data da assinatura: 25/06 /2018). Nesse contexto, numa primeira análise dos autos, tenho por desproporcional, desnecessária e ineficaz para a execução a medida extrema adotada pela autoridade dita coatora. Por essas razões, defiro a liminar, para tornar sem efeito a decisão proferida nos autos originários, no sentido de que que seja oficiada a Polícia Federal para a inclusão do impedimento de saída do país, utilizando-se de quaisquer documento hábil, do bloqueio de passaporte e proibição de emissão de novo passaporte em relação à executada JOELMA DA SILVA MENDES, CPF nº 575.977.822-68. Cientifique-se, de imediato, a autoridade apontada como coatora, desta decisão, e para prestar informações, no prazo de 5 (cinco) dias, nos termos do artigo 192, caput, do Regimento Interno desta Corte. Comunique-se à Polícia Federal da concessão da medida liminar, com fundamento no art. 85, alínea, do Regimento Interno do E. Tribunal Regional do Trabalho. Intimem-se os impetrantes. À Secretaria da 1ª Seção Especializada, para cumprimento. Por fim, determino, no primeiro dia útil, à distribuição do presente Mandado de Segurança, para os devidos fins de direito.
RUY SALATHIEL DE ALBUQUERQUE E MELLO VENTURA Desembargador do Trabalho da 6ª Região